Por que um casal se separa? Porque pode, diz a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Antes da lei do divórcio, que completa 35 anos, também podia, mas era difícil.
Nas últimas décadas, quase tudo mudou na dinâmica do casamento.
Já as razões pelas quais ele acaba são as mesmas, segundo advogados especializados em divórcio ouvidos pela reportagem.
Os motivos campeões são, não necessariamente nesta ordem: traição, ciúme, dinheiro e até a tanto genérica quanto válida “incompatibilidade de gênios”. São as razões de sempre, mas atualizadas.
Veja a questão da traição, por exemplo. “Quase todos os adultérios que chegam ao meu escritório foram comprovados por e-mail ou mensagem de texto”, afirma Priscila Corrêa da Fonseca, professora da USP apelidada de “Priscila, a rainha do divórcio” pelos alunos de direito. “O traído descobre a senha, muitas vezes contratando hackers, e depois diz que viu no computador compartilhado pela família”, diz ela.
No Brasil, não há dados sobre as separações motivadas por contatos virtuais, uma vez que, desde 2002, os processos deixaram de conter o motivo do rompimento.
REDE SOCIAL – No Reino Unido, um levantamento com base em 5.000 petições de divórcio, feito por uma empresa, constatou que a palavra “Facebook” aparecia em 33% dos processos movidos em 2011 por “conduta inapropriada” do parceiro.
Para Fonseca, a internet inflacionou o número de traições e diversificou as modalidades: “Adultério antigamente dava o maior trabalho. Era só o telefone fixo no meio da sala de casa. Hoje tem celular e gente conversando com o amante no chat enquanto o parceiro oficial está bem ao lado”.
Foi pelo celular que o engenheiro Felipe Brito, 32, descobriu que a mulher conversava com um colega de trabalho que ela dizia mal conhecer: “O telefone tinha senha, mas só bloqueava depois de cinco minutos sem uso. Eu estava desconfiado de tanto apego ao aparelho, aproveitei uma ida dela ao banheiro para confirmar o que já sabia”. Apesar da mágoa, o divórcio foi consensual.
Para o advogado Celso Cintra Mori, a possibilidade de manter conversas privadas de forma discreta e o contato constante com pessoas do passado em redes sociais fez gente sem o “perfil do pulador de cerca” se aventurar.
“A internet ainda é um limbo confuso e as pessoas criam maneiras psicologicamente aceitáveis para justificar seus comportamentos na rede. Ao deitar no travesseiro, todo mundo sabe o que é uma traição e ela certamente inclui conversas dúbias por e-mail.”
FALTA DE AMOR- Antes da lei do divórcio, de 1977, o caminho para quem estava insatisfeito era o desquite, que envolvia constrangimento social e impedia a formalização de outra união. A situação atual permite oficializar divórcios consensuais no mesmo dia, é quase como casar em Las Vegas.
Por “falta de amor e respeito dentro de casa”, a farmacêutica Eugênia Soares, 62, decidiu se separar, aos 22. “Quem se separava na época era tido como leproso. Precisei mudar de bairro para conseguir namorado e comigo foi leve, por não ter filhos.”
Foi só em 1977 que ela conseguiu oficializar o segundo casamento, feito cinco anos depois do desquite: “Sou casada há 36 anos, mas diziam que éramos ‘amigados’
Dez anos de namoro e 10 meses casada
“Casei aos 22 anos com meu namorado da escola, que era um ano mais velho. Estávamos juntos há dez anos, mas isso não significa que não tenha sido uma decisão precipitada. Eu queria ter filhos, tinha cabeça de adulta mesmo, enquanto ele ainda gostava de Carnaval, beber, farrear.
Não que estivesse errado e eu, certa. Mulher é diferente mesmo. Nos separamos em dez meses. Dez anos de namoro para divorciar em dez meses! Foi o que todo mundo comentou. Mas tinha que ser. A convivência estava complicada.
Ele morava no interior, tinha a vida dele lá. Larguei trabalho, família e entrei na rotina dele. Interior é bem diferente. Foi muito complicado para mim.
Quando decidi voltar, ele até pensou em pedir transferência e vir comigo para a capital, mas acabou ficando. Passamos um ano sem nos falarmos. Hoje somos amigos.
Desde então, não tive namorado. Depois de uma experiência assim a gente vai ficando mais exigente. Quando conheço alguém e começo a reparar determinados comportamentos logo penso que já vi esse filme, não preciso passar por isso de novo”, diz Mayara Souza, 29, consultora de viagens
Divergências sobre a criação dos filhos
Dez entre dez advogados citam divergências sobre como educar os filhos entre as razões mais comuns para um casal se divorciar. Esse motivo, por sinal, talvez explique o recém-anunciado fim da união entre Tom Cruise e Katie Holmes. Ela seria contra a iniciação da filha Suri, 6, na Cientologia, religião seguida pelo ator.
“A hora de escolher a primeira escola dos filhos é sempre um momento de provação para o casal. É quando muitos percebem incompatibilidade de expectativas”, diz a psiquiatra Carmita Abdo. Esse é o momento em que divergências aparentemente pequenas mostram seu verdadeiro tamanho: “Se um quer colocar a criança em uma escola liberal e o outro em uma escola religiosa, já dá para ver que esse casal terá um grande desafio para se entender em vários outros aspectos da criação”.
O advogado Luiz Kignel dava uma palestra sobre direito de família quando um casal grávido de cinco meses perguntou se era cedo demais para discutir a educação da criança. “Vocês estão seis meses atrasados”, respondeu ele. É que, em seu escritório, disputas envolvendo a criação dos filhos têm se tornado constantes.
“Casamento hoje não é para a vida toda, mas filho ainda é; as pessoas deixam para discutir essas coisas quando o problema já está instaurado”, afirma ele. Para Kignel, quem tem opiniões muito firmes sobre educação deve ser mais seletivo na escolha do parceiro.
‘O amor acaba e as pessoas mudam’
“Meu casamento terminou pelo mesmo motivo que todos os namoros terminaram: acabou o amor. Não fosse assim, a gente casaria com a primeira namorada e ficaria com ela para sempre.
Casei com uma amiga de muito tempo, aos 33 anos. A gente se conheceu na faculdade, mas não chegamos a namorar. Na época eu tinha interesse nela, mas não aconteceu, sei lá o porquê. Depois da graduação, ela passou um tempo estudando fora do país e eu mudei de Curitiba para São Paulo.
Nos reencontramos quando ela voltou da Espanha e veio morar em São Paulo. A gente combinou de se ver pela internet e começamos a namorar imediatamente.
Foi meu melhor relacionamento. Resolvemos nos casar depois de apenas um ano de namoro. A cerimônia foi simples, compramos um apartamento juntos em vez de dar um festão. A gente combinava, nunca tinha uma grande discordância no que fazer com o dinheiro nem com o tempo. Ela era ciumenta, sem exageros.
Separamos depois de quatro anos. Percebemos que nenhum de nós estava com a cabeça na relação. Ela tinha planejado uma viagem para a Europa e eu, para Nova York. Entendemos que se a gente preferia escolher o destino das férias a escolher a companhia era porque estava na hora de cada um tomar seu rumo.”. Augusto Camargo, 39, bancário
Casamento perdeu a ‘carência’ – Desde julho de 2010, quando foi promulgada a nova lei do divórcio, a pessoa pode se casar num dia e se divorciar no outro. Antes, a separação só era permitida um ano depois do casamento.
A nova lei também acabou com a obrigatoriedade da separação judicial, processo que antecedia o divórcio e deixava tudo mais demorado.
A separação judicial acaba com os deveres de coabitação e fidelidade, mas não encerra o vínculo do casal. Antes de 2010, para se divorciar e poder se casar novamente, a pessoa precisava comprovar um ano de separação judicial ou dois anos de separação de fato.
Hoje, dá para pedir o divórcio de uma vez. Se for consensual e o casal estiver de acordo com a divisão de bens, não precisa nem de advogado, pode ser feito no cartório.
“O aumento recente do número de separações é fruto dessa legislação. Muitos casais estão apenas regularizando uma situação que já acontecia”, diz o advogado Marco Antonio Barone Rabello.
CULPADO OU INOCENTE – Mais comuns antes da nova lei, os processos de separação judicial litigiosos, com disputa de guarda de filhos ou de bens, precisam tachar um dos cônjuges como o “culpado” da separação e descrever os motivos que levaram à dissolução da união.
Mas a questão é controversa: uma parte dos advogados e legisladores entende que a separação judicial não existe mais, portanto ninguém precisa apresentar motivos nem culpados para se divorciar.
Fatores demográficos também explicam aumento
Duas semanas depois de confirmar o rompimento com sua companheira —a cantora francesa Vanessa Paradis—, o ator Johnny Depp já tinha outra namorada, segundo a revista “Us Weekly”.
Caso a troca seja confirmada, Depp entrará para o grande e popular grupo de homens que só se separam quando já têm outra pessoa em vista.
“Alguns homens precisam achar outro relacionamento para impulsionar o término”, diz Nelson Sussumu, presidente da Comissão de Direito de Família da OAB-SP.
Quando o ex-marido demonstrou muita pressa para oficializar a separação, a cantora Adriana Machado, 35, desconfiou: “Não fazia nem três meses que eu havia saído de casa quando ele começou a insistir para irmos ao cartório”.
Seis meses depois, Adriana soube que o seu ex começou a namorar poucas semanas depois da separação, com uma colega de trabalho. “Não penso que ele tenha me traído, mas não deixo de achar esse comportamento doentio. Eu preciso enterrar bem um amor antes de começar algo”, critica Adriana.
Até 2002, não havia divórcio no Brasil sem que fossem definidos uma causa e um culpado. “Era como se o Estado entrasse em uma mesquinharia, em uma disputa para saber quem estava certo”, diz Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
CULPA DA SOGRA – “Numa perspectiva infantil, é preciso achar um vilão. Pode ser o ex, a atual do ex ou até sogra”, diz Carmita Abdo, tocando em outra causa recorrente de divórcios: a chatice da família do parceiro.
Separar ficou fácil demais, na opinião de Álvaro Villaça Azevedo, diretor da Faculdade de Direito da FAAP. Para ele, a simplificação do processo trouxe ganhos, mas banalização: “Para os direitos individuais é excelente, mas cria distorções no comportamento das pessoas”.
O aumento dos rompimentos, no entanto, não pode ser atribuído apenas às facilidades legais. “Muitos fatores demográficos contribuem para que haja mais divórcio: o aumento da renda feminina e da escolaridade, a queda no número de filhos”, diz José Eustaquio Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do IBGE.
Em dez anos, a taxa de divórcios no Brasil quase dobrou, de 1,7% a 3,1%. “Parece pouco, mas em demografia é uma taxa muito expressiva, indica transição no perfil da população”, diz Alves. “A gente cuida menos do que é provisório, e casamento se transformou em uma situação que os cônjuges enxergam como passageira”, diz (Fonte: FolhaPress)